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Foto do escritorAndreia Ferreira Campos

Onde começa a corrupção?


A sempre surpreendente demissão do primeiro ministro de um país, andou de mão dada com a nada surpreendente acusação de corrupção a vários membros do corpo governativo. Porque será que naturalizamos a corrupção e passamos a considerá-la a norma em instituições públicas? O que leva à disseminação da corrupção desde as pequenas às grandes iniciativas de uma sociedade?


Não tenho todas as respostas, mas tenho perguntas muito pertinentes, que dão luz a ângulos pouco explorados na complexidade das questões. Continue a ler para descobrir novos significados e perguntas que não sabia que queria fazer.


 


 

Ao ouvir a demissão do primeiro ministro, depois da explosão na comunicação social de mais um caso de suspeita de corrupção em Portugal, adiei o artigo que já tinha planeado escrever e decidi escrever um artigo de opinião sobre a corrupção endémica neste país. No entanto, a escrita tornou-se abrangente, tal como o desenvolvimento humano, e acabei por tocar em aspetos que se podem aplicar a qualquer país do mundo por serem um reflexo da nossa humanidade.

 

Nos últimos artigos tenho escrito sobre mudança: o que nos impede de mudar, e como ultrapassamos alguns dos obstáculos à mudança com uma mente visionária.


A minha proposta para este artigo é aplicar essas ideias de mudança para conseguirmos um país menos corrupto ou, melhor ainda, sem qualquer tipo de corrupção. Nada ambiciosa esta meta.


Antes de começar quero clarificar a minha posição em relação ao processo judicial. É minha convicção (até que me provem o contrário) que o ainda primeiro ministro não tem nenhuma responsabilidade criminal no que diz respeito à investigação em curso. Em relação às responsabilidades políticas, a questão é outra. Erros têm sido sucessivamente cometidos no que toca à liderança do país, que não pode ser governado da mesma forma como se lidera um partido político. Nem da mesma forma como se organiza a vida pessoal e social.


Não se trata de não ter direito a manter melhores amigos na vida pessoal. A primeira reflexão que vou fazer é que as amizades nem são melhores, nem piores. A amizade em si ou é verdadeira ou não existe.


A confiança é fundamental na política, mas a ausência de mudanças estruturais impede a construção de uma visão comum para o funcionamento das instituições. As divergências aparecem, muitas vezes porque não há tempo para alinhar posições, e as vivências passadas surgem como salvaguarda de apoios no presente, em situações que nunca antes tinham sido vividas, os interesses pessoais podem sobressair.


As pressões sociais destroem as amizades mais fortes. Essa é uma lição que aprendi muito cedo. A outra é que depois de ultrapassada a desilusão, a sensação de liberdade é imensa, incomparável com outras liberdades que conhecemos.


Vou agora mudar o rumo desta conversa.


Mudar é difícil porque há um défice de imaginação


Quando, como povo, pensamos no sistema político ninguém estranha as luvas e as trocas de favores entre entidades públicas e privadas. A corrupção está tão enraizada na nossa cultura organizacional que se naturalizou portuguesa. É tão banal como os bolinhos de bacalhau e os rissóis. O que provoca um défice de imaginação gigantesco que impede a mudança.


As pessoas não sabem como fazer diferente, porque não conseguem imaginar uma vida ética, sem o peso da economia paralela, por exemplo.


Quando se tem alguma questão a resolver que envolve serviços públicos, cada um pergunta-se antes de sair de casa: “quem é que eu conheço que me pode ajudar?”. E Portugal sendo Portugal, os portugueses conhecem sempre alguém. Os que não conhecem ninguém sabem logo que estão em desvantagem antes de tomarem a primeira iniciativa.


Esta é a mentalidade que queremos mudar para construir uma sociedade mais ética e justa. A questão é que ninguém imagina que isso tenha alguma coisa a ver consigo. Todos apontam para os grandes processos e poucos reconhecem que foram os pequenos casos que tornaram a corrupção normal.


Nas pequenas coisas na saúde, nas finanças, nas conservatórias, nos serviços locais há sempre alguém que serve de facilitador(a) para desbloquear algum processo.


É exatamente o mesmo que acontece com megaprojetos e atribuições milionárias de fundos públicos (sejam europeus ou nacionais, vai dar ao mesmo). 


Quando se fala em combater a corrupção e aumentar a transparência nos atos governativos, fala-se apenas de uma parte do problema. Apenas a parte mais visível, por aparecer nas notícias (muitas vezes com performances lamentáveis de jornalistas!) e ser um espetáculo televisivo ao qual todos assistem e sobre o qual todos têm opinião. O resto fica esquecido, como se não existisse.


O que fica esquecido é a dita pequena corrupção que faz parte do dia-a-dia das pessoas e que é considerada um bem necessário.


Repare que essa pequena corrupção banalizou-se de tal forma que nem é moralmente reprovada pela nossa sociedade. Frases como “fez bem, desenrascou-se!” ou “se não fosse assim nunca mais era sábado!” são frequentes. Isto não é uma alusão a uma paragem do tempo à quinta ou sexta-feira. É uma referência ao excesso de lentidão de um sistema que está, acima de tudo, mal articulado.


Ao que parece ninguém em sucessivos governos conseguiu imaginar um sistema em que as várias entidades públicas comunicam eficazmente entre si, procuram colaborar em vez de competir, e têm uma visão integrada de como o país deve funcionar para construirmos, em conjunto, uma sociedade suportada por uma economia sustentável e sólida.


Uma economia só é solida se for sustentável. Por isso, mesmo que os indicadores digam que está tudo muito bem, se a economia não for sustentável, não acredite! Os indicadores também mentem, quando são usados para análises ficcionais da realidade.

Agora que chegamos à conclusão que é difícil imaginar um mundo melhor quando tudo à nossa volta funciona mal, colocam-se outras questões MUITO pertinentes.


Governar não é transformar a sociedade?


Porque é que continua tudo igual há mais de meio século?


A necessidade de furar os esquemas vem do tempo da fome. As pessoas não tinham alternativa senão dar umas luvas aqui e além para que, em regimes ditatoriais, algo fosse feito a seu favor.

O que me leva a confirmar a falta de imaginação transgeracional do país. Já que acontecia o mesmo em relação aos clérigos e às aristocracias dos regimes monárquicos.


Aqui estamos nós, em pleno Portugal do século XXI, e o que temos? Vítimas de abusos sexuais que ficam por denunciar, entre os leigos que sabiam do que se passava, porque estas pessoas têm medo do poder da igreja.


Uma sociedade que condena essas práticas, mas que se ofende quando as vítimas e não-vítimas falam mal dos procedimentos da igreja e dos seus funcionários.


Onde está a evolução social que ambicionamos? Onde está a evolução social a acompanhar a evolução económica e educacional do país, que tem vindo a surgir desde o 25 de Abril? (Veio aos solavancos, mas essa é outra questão.)

O sistema político continua a funcionar com as regras do estado novo! Por isso é que ninguém estranha. A corrupção não está apenas naturalizada (e com legitimo direito, visto que vive connosco há tanto tempo!), está banalizada ao ponto de ser a norma.


As elites mudaram (algumas), mas os procedimentos são idênticos. Não há insegurança nas escolhas a fazer, quando se tem um processo a dar entrada numa camara municipal sabemos todos que, ou conhecemos alguém, ou aquilo vai lá ficar tempos infinitos e corre o sério risco de ser reprovado por uma ninharia qualquer.


Há anos atrás, vi uma entrevista do arquiteto Eduardo Souto Moura em que ele falava abertamente sobre a corrupção no poder local. Ninguém o ouviu (exceto eu… e umas poucas outras pessoas). Nem os jornalistas se interessaram em dar seguimento ao que ele denunciava. Aquilo não era notícia, toda a gente já o sabia. E ninguém fez nada de significativo para que o estado das coisas mudasse.


A mudança sistémica não começa nos governantes, começa nas pessoas que se recusam a colaborar com estas práticas de pequena corrupção.

A mudança começa comigo e consigo no nosso dia-a-dia e nas escolhas éticas que fazemos. Nós somos a mudança, porque somos nós que temos a capacidade de imaginar um futuro diferente. Temos também os tomates para fazer diferente dê por onde der, porque o banal já não nos serve. E de reserva temos um banco de sementes de tomates, para que nunca nos falte a gana!


- Que ordinarice! - resmungam algumas pessoas a sorrir.


- A linguagem tem de ir ao encontro do nível a que os corruptos agem!


Eu não me iludo com facilidade e sei perfeitamente que não somos muitos, os que têm a coragem de mudar. Também sei outras coisas que fazem com que os poucos diferentes façam muita diferença. Deixo isso para outra conversa.


Será que as pessoas acreditam mesmo que a corrupção é necessária?


Não temos líderes com uma visão integrada da realidade que lhes permita tratar problemas que tenham um efeito transformador sistémico.


Por outras palavras, as lideranças sucessivas têm falhado na construção de uma visão conjunta de uma sociedade em que os direitos individuais são respeitados e os serviços funcionam.


Por exemplo, muitos concordam que o problema do SNS não é falta de dinheiro (eu também concordo), mas ninguém consegue resolver os problemas e pôr a saúde a funcionar. Ninguém sabe por onde começar. E muitas vezes começam por tentar resolver os problemas errados. Resolvem problemas pontuais, sem qualquer efeito sistémico e, basicamente, as injeções de dinheiro servem para que tudo fique na mesma ou quase. Parece que andamos há décadas a tentar resolver os mesmos problemas e não conseguimos resolvê-los.


Aqui fica uma ideia genial: e se estiverem a tentar resolver os problemas errados?

Para ser visionária/o tem de viver no mundo real. Não na fantasia do faz-de-conta que contam os números. Nem sob as pressões de indicadores financeiros que não indicam nada de jeito.

Os problemas das as pessoas só podem ser resolvidos ouvindo as pessoas. Percebe? Está a usar o sentido errado ao olhar para os números, quando devia ouvir as pessoas. E depois os números não têm vida nem problemas, por isso nunca podem ser o problema!


Isto parece simplista, contudo tem uma profundidade maior do que o oceano Atlântico.


O que nos leva a outra pergunta.


Se o problema são os procedimentos porque é que ninguém os muda?


É agora que o sentido da visão é capaz de dar jeito!


Nos períodos de turbulência que resultam de mudanças que ocorrem em convulsões, ninguém consegue ver saídas para situações complexas porque há demasiada confusão. Desinformação, informação em excesso que não serve de nada se não for filtrada, ilusões coletivas e individuais, emoções superficiais e pessoas supérfluas.


Do distanciamento vem a capacidade de olhar para a complexidade e ver o que outros não conseguem ver, não têm o ângulo certo de visão.


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Com a prática de lidar com a complexidade vem a rapidez na análise dos problemas e das relações entre diferentes problemas. O que permite construir uma imagem integrada do todo, e não apenas dos ângulos mais cobertos pelas objetivas dos jornais, das rádios e das televisões. 

Muitas foram as manifestações de desagrado com as acusações do ministério público, por não haver nada de muito suspeito ou criminal no que foi revelado.


A mim preocupa-me que este tipo de comportamento seja normal. Preocupa-me a informalidade e leviandade que as conversas transcritas denunciam tanto pela forma, como pelo conteúdo. Preocupa-me que uma entidade investidora precise de exercer influência sobre altos cargos do governo para ligar a luz. E lembro-me que a minha família teve essa dificuldade quando quis pôr eletricidade na casa velha dos meus avós durante o processo de partilha dos bens. E penso que isso não é sinónimo de igualdade, mas de sim de incompetência.


A incompetência gera injustiças, que levam a que as pessoas contornem as regras e daí surge a corrupção ou uma revolução. Não será a corrupção uma forma de revolução?


Então e se fossemos todos mais competentes como seria o país?


Precisa de algum decreto lei para ser mais competente?


A nossa evolução pessoal tem consequências sociais, e não depende de leis, depende de cada um de nós e de como decidimos viver as nossas vidas. Esse é o impacto que realmente podemos ter na transformação social que está a acontecer no mundo.


Viva integralmente.

 

Antes de sair desta página, participe na sondagem. E se gostou do artigo click no coração.


Concorda comigo, quando digo que: felicidade depende ou não da estabilidade política do país onde se vive?

  • Sim, as decisões políticas podem condicionar-me.

  • Depende, se me afecta diretamente ou não.

  • Não, a minha felicidade não depende de elementos externos.


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