O mundo apresenta desafios de complexidade que se traduzem em mais conhecimento aplicado em todas as áreas da vida. Seja no seu trabalho ou na sua vida pessoal, a quantidade de tarefas que faz requer a ativação de todas as redes neurais do seu cérebro em sequências e sincronias que fazem inveja a qualquer sinfonia criada pelos melhores músicos. Será que a leitura contribui para nos dar uma vantagem competitiva nesta ativação neural complexa? Ler transforma integralmente, contudo terão todas as leituras têm o mesmo efeito? E que efeito é esse? Venha descobrir a resposta da ciência.
A mais antiga biblioteca, datada do segundo milénio a.C., em Thebes no Egito, tinha um letreiro no topo do portal onde se lia: “lugar de cura para a alma”.
A ideia de que ler tem benefícios de cura não é nova, mas continua a surpreender.
Não bastaram todas as restrições à aprendizagem da leitura e escrita das mulheres durante… sei lá quanto séculos… foram muitos. E as repetidas afirmações de que uma mulher que lê é perigosa. Ou até mesmo, a proibição de ler e escrever que era imposta aos escravos. O medo de que o acesso ao conhecimento mudasse a perspetiva das pessoas, que as curasse dos mitos que impunham a ordem social era transversal a homens e mulheres de várias civilizações.
As estruturas sociais dependiam da manutenção de um determinado estado de coisas. Todos sabemos como as pessoas precisam de guerras do tipo nós-contra-eles para valorizar vidas desprovidas de significado maior. As guerras de classe são as mais constantes e, atualmente, as menos reconhecidas, embora persistam ativas.
Vivemos na era em que o conhecimento está acessível a todos, ou quase, e temos vindo a registar aumentos significativos nos níveis de leitura de livros entre jovens e nas restantes faixas etárias. No entanto, a percentagem da população que não lê livros, ainda é maioritária.
Os livros que são um bálsamo para a alma são livros de ficção, poesia e narrativas de não-ficção (que incluem memórias/biografias).
O apelo da catarse emocional pela leitura é intuitivamente aceite. Será verdade? Ou lemos apenas por interesse, prazer, escape – ou amor pelas palavras?
Para que lemos?
A leitura é uma das formas que temos de compreender os nossos mundos. Psicólogos evolucionistas propõem que o cérebro está desenhado para ler, tal como está estruturado para a linguagem, reconhecimento facial ou outras motivações instintivas.
Ler envolve tanto os processos cognitivos como processos emocionais, principalmente quando o texto é narrativo. Ler leva a criar e expandir significados. Quando falamos de significados estamos a entrar no domínio do espirito.
A criação de significados ou compreensão do mundo pode ocorrer diretamente através da aquisição de conhecimento (por exemplo, quando lemos um manual técnico) ou pelo envolvimento com o meio social, a arte e as nossas capacidades linguísticas de criação de significado.
As obras de arte convidam o pensamento e o sentimento a uma interação sinérgica.
Todas as obras de arte requerem uma leitura. Esta comunicação indireta na literatura é um dos benefícios que oferece aos leitores.
A criação de significados é a transação entre autor, texto e leitor; a dessincronização entre as palavras e a interpretação, moldadas pelas experiências e predisposições que quem lê, são críticas.
Ler, como uma capacidade inscrita na nossa natureza humana e uma forma de nos envolvermos com a arte, permite-nos processar as nossas emoções.
Através da leitura temos acesso a experiências que não vivenciamos, e os sentimentos positivos que elas produzem permanecem connosco.
O que acontece no cérebro quando lemos?
Duas redes neurais distintas, no lobo frontal e no lobo temporal, são ativadas e trabalham em uníssono para integrar o significado das palavras e obter uma ordem mais elevada e complexa de significados quando lemos.
Os significados das palavras ativam ainda as redes sensoriais, como se estivéssemos a sentir as emoções sobre as quais estamos a ler.
Os nossos cérebros estão totalmente interconectados, e para compreender linguagem requerem uma sequência precisa de processos dinâmicos rápidos a ocorrer em múltiplos locais por todo o cérebro.
Quanto mais complexa for a linguagem, maior o número de áreas do cérebro envolvidas no processamento, maior a ativação neural. Para os leigos das neurociências, isso traduz-se no uso de maior potencial humano, mais capacidades que emergem com o uso recorrente e se tornam competências.
Impacto para as crianças
Estudos recentes confirmam que encorajar as crianças a lerem por prazer pode aumentar a sua capacidade cognitiva e a saúde mental durante a adolescência.
Pesquisas sugerem que 12 horas de leitura por semana é a duração ótima, que contribui para melhorar a estrutura do cérebro e a saúde mental.
O prazer de ler impulsiona as aprendizagens verbais, memória, e o desenvolvimento da linguagem. Mostra ainda sinais de reduzir o stress, a depressão, e alterações de comportamento.
Factos Chave:
Leitura precoce, por prazer, mostra uma forte correlação positiva com desenvolvimento cognitivo e bem-estar mental em adolescentes.
Uma duração ótima de 12 horas de leitura por semana parece beneficiar jovens leitores, com benefícios para além da adolescência.
Leitores adolescentes apresentam maiores áreas e volumes cerebrais, especialmente em regiões ligadas às funções cognitivas e saúde mental.
O impacto das dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita nas crianças e jovens tem custos sociais gigantescos. Não ter uma leitura funcional condiciona as opções profissionais, a participação na sociedade (nos serviços disponibilizados pelos sistema, e também nas obrigações que o sistema nos impõe). Condiciona a saúde mental e física em geral.
Por cada criança que não aprende a ler, por cada adulto que não gosta de ler, os gastos em saúde e segurança social para o estado aumentam exponencialmente. Esta é uma aposta em educação que não pode deixar de ser feita. A qualidade da escola pública no ensino básico precisa de uma visão de futuro, uma transformação que não pode ser adiada sob o risco de este ser mais um preço que todos iremos pagar no futuro próximo.
Uma das formas de diminuir a pressão no sistema nacional de saúde é investindo nas competências de literacia das crianças. (Uma das formas! Problemas complexos requerem mais do que uma solução!)
Uma das formas de os adultos potenciarem o seu desenvolvimento integral é construindo hábitos de leitura sólidos, que os ajudem a processar as suas emoções e a educar as crianças que estão ao seu cuidado a serem também elas leitoras e humanos em constante transformação pessoal.
Ler mais contribui para a construção de uma sociedade mais evoluída, pelo desenvolvimento integral que cada pessoa promove nos contextos em que a sua vida se concretiza.
Viva integralmente.
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