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Foto do escritorAndreia Ferreira Campos

Go Slow


Ei-la! Uma das 11 tendências globais do desenvolvimento humano.


Depois do post sobre a educação: Slow! Mais do que devagar, mais do que reduzir a velocidade. Opto por manter a palavra inglesa por o conceito ser mais abrangente do que o da palavra devagar em português. É uma questão cultural, e com este artigo espero contribuir para a expansão do conceito português. É uma questão de nerds da linguagem e se não perceber muito bem esta justificação, não se preocupe muitos outros também não vão perceber, passe à frente pois o que realmente interessa vem a seguir.


Complexidade


O mundo é cada vez mais complexo. A organização da sociedade é cada vez mais complexa, a quantidade de conhecimento de base que cada ser humano tem de dominar para viver em sociedade é cada vez maior. Nesta linha de pensamento as capacidades de organização e atenção são fulcrais.


Quando se toca no tema da organização coletiva pensamos no alinhamento de valores orientadores da ação humana, como a ética, por exemplo. Todavia, para haver vida social o ser humano tem de se organizar internamente. E o órgão físico que organiza as nossas vidas é o cérebro.


Fazer o mesmo que sempre fizemos mais devagar permite-nos seguir uma outra tendência global do desenvolvimento humano, a presença – estar no aqui e agora. Permite-nos ainda ter consciência dos automatismos que nos controlam e inverter o ciclo de controlo. Por outras palavras, fazer as mesmas coisas mais devagar permite-mos controlar os hábitos, por oposição a sermos controlados pelos hábitos. Isto porque nos dá uma maior perceção da realidade.


Experimente imaginar o seguinte:


1- Imagine que vai fazer uma viagem e precisa de chegar o mais depressa possível ao seu destino. Para que isso seja possível tem dois meios de transporte ao seu dispor avião ou comboio de alta velocidade. Como seria a sua viagem? Que conhecimento do mundo exterior iria conseguir integrar no que já sabe? Da janela do avião ou do comboio de alta velocidade que parte do trajeto ficaria a conhecer?


2- Imagine que vai fazer uma viagem, escolhe o seu destino, mas decide viajar como vive. A aproveitar cada momento, a controlar o processo. Seguindo estes princípios sabe, por experiência, que o percurso é tão importante ou mais do que o destino final. Por isso decide ir de carro ou de comboio, vejamos… opta pelo intercidades. Como seria a sua viagem? Que conhecimento do mundo exterior iria conseguir integrar no que já sabe? Das janelas do carro ou do comboio que partes do trajeto ficaria a conhecer?


Agora imagine o seguinte, uma pessoa segue a opção 1 e outra a opção 2. Ambas conseguem com sucesso realizar o que pretendiam quando chegam ao destino final, mas qual das duas vive mais intensamente e adquire mais conhecimento?


A vida é como uma viagem.


O que realmente importa não é chegar ao fim, pois todos sabemos que vamos morrer eventualmente. O que importa é a forma como se vive, como se experiência o percurso que escolhemos para nós mesmos. Repare que não é permitido escolher os percursos dos outros, cada um escolhe por si.


Uns andam sempre a correr. Correm de um objetivo para outro, de uma etapa da vida para a outra, sempre na ilusão de que um dia as suas circunstâncias mudem e lhe permitam viver de forma mais calma. Estas são as pessoas que não escolhem verdadeiramente, deixam que as circunstâncias escolham. São também as pessoas que nunca são responsáveis por nada, vivem em função de um sistema, e a culpa é sempre do sistema. As coisas tinham que ser assim, não havia nada que pudesse ser feito diferente, as suas vidas são regidas pelo destino, o destino que a inconsciência lhes impõe.


Estes somos nós, nas etapas mais precoces das nossas vidas. A vida em sociedade exige-nos que frequentemos a escola, que tenhamos um conjunto de conhecimentos básicos, que os nossos pais decidam por nós durante a infância, adolescência e, por vezes, o início da vida adulta.


Depois crescemos e começamos a tomar as nossas próprias decisões, as decisões que realmente importam, não a cor da roupa que vamos vestir (ainda que eu considere que essa é uma escolha importante…).


A geração pós-revolução industrial


Na verdade isso nem sempre acontece. Acontece muito pouco devido a uma cultura de produção em massa que influencia a forma como pensamos e como não pensamos.


As facilidades na supressão das necessidades básicas fazem com que muitas pessoas não pensem nisso durante muito tempo.


Como consequência temos os 30 como os novos 20, os 40 como os novos 30. Traduzindo, a adolescência é prolongada no tempo. Por adolescência entenda-se o tempo de uma certa inconsciência em que os impulsos regem a vida. Vive-se a 150 à hora, o multitasking torna-se uma rotina, e até o sono é reduzido ao mínimo.


Objetivos, objetivos, objetivos. Cada um deles cria expectativas e responde às expectativas que a sociedade nos cria e às quais cada um de nós quer, naturalmente, responder. Até um dia…

Até ao dia em que percebemos que apesar de termos ido ao encontro das expectativas sociais, de pertencermos à engrenagem que mantém a linha de produção em massa a funcionar, não somos nem felizes, nem saudáveis.


Como passamos os dias a correr, andamos sempre cansados. O excesso de cansaço e de objetivos para cumprir não nos deixa dormir. A agitação interna aumenta, o tempo de resposta a cada interação diminui – o que significa que cada vez pensamos menos antes de responder, andamos constantemente em piloto automático, os hábitos (de pensamento, de alimentação, de higiene, de vida social e outros), as rotinas e os automatismos definem a vida que vivemos. Somos prisioneiros dessas escolhas, pois deixamos de escolher. E isso leva ao hábito que define a irresponsabilidade, que é o hábito de pensar que não se tem escolha. Temos sempre escolha! Mas quando acionamos os padrões da velocidade de resposta no cérebro, estamos a escolher os padrões primitivos de resposta a emergências, padrões impulsivos e sobre os quais temos pouquíssimo controlo. Para os controlar, temos de viver mais devagar.



Devagar permite absorver do meio maior quantidade de informação no mesmo intervalo de tempo. Viajar a mesma distância a velocidade de cruzeiro cria memórias mais completas. O cérebro integra informação de todos os sentidos e foca-se em cada uma dessas informações por mais tempo. Organizando-as eficaz e eficientemente, recuperando-as recorrendo a padrões de complexidade superiores que se prendem com uma das características da linguagem: a simultaneidade. Porquê a linguagem? Quando tratamos de organização a linguagem é a cola que permite associar as diferentes perceções e atingir níveis de complexidade funcional extraordinários.


Não é a correria que nos faz ser melhores mais depressa


Slow é a tendência que nos aproxima da verdade, porque nos permite viver na realidade por oposição à ilusão das tradicionais expectativas criadas pela cultura dominante do local em que vivemos.


Slow é a tendência da aceitação da diversidade, porque ao sairmos do modo primitivo de luta e fuga não vemos nas pessoas que são diferentes um inimigo. Vemos seres humanos que fazem escolhas diferentes, se e só se soubermos fazer escolhas e reconhecermos que escolhemos livremente e não sob a influência de um sistema social que sendo invisível escolhe por nós.


Slow é a tendência que torna o cérebro mais eficiente, porque facilita a integração das informações que recolhemos durante o dia e permite e otimização de processos mentais durante o sono.


Slow é a tendência que permite viver vidas mais intensas, porque retira prazer das pequenas coisas que vivemos todos os dias.

A felicidade é o subproduto de uma vida slow vivida.

A linguagem não começa nas palavras, começa na perceção. Na memória de diferentes perceções, no que efetivamente se vive e não no que se diz ou idealiza. É tendo por base a vida que a linguagem lhe atribui sentido. Se o sentido é roubado pelo seguimento da ideologia, estamos a roubar-nos a possibilidade de viver de verdade, de viver na verdade. E haverá outra forma de vida senão a vida verdadeira?


Seja feliz, viva integralmente!


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